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terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Griô: um novo ângulo para a tradição

Esta entrevista com Lilian Pacheco – Por Blog Acesso (Entrevistas_11.07)- traz resumidamente as principais linhas de atuação da Pedagogia Griô, que traz a tradição pra perto da educação no espaço escolar com diversos elementos das Culturas Populares:


A ONG Grãos de Luz e Griô surgiu como tantas outras iniciativas Brasil afora para suprir as demandas da comunidade. No caso, a comunidade era a de um bairro periférico de Lençóis, na Bahia, e a demanda a preparação de sopa para as crianças da região. A chegada de Líllian Pacheco e Márcio Caíres ao local, em 1997, possibilitou a estruturação da iniciativa, que ganhou um conceito pedagógico baseado na tradição oral. Hoje, os projetos da ONG são reconhecidos e valorizados pela sociedade, a ponto de constituírem a base pedagógica da política de educação federal e de conquistarem editais como o promovido pela Votorantim, levando o valor máximo destinado a projetos focados na democratização cultural. Nessa entrevista, Líllian e Márcio contam um pouco sobre a trajetória da iniciativa e explicam o conceito “griô”.


Boletim da Democratização Cultural – Qual a origem da palavra griô?

Lilian Pacheco – A colonização de diversos países do noroeste da África foi francesa, assim griot é uma palavra francesa que denomina as figuras que são contadores de histórias, genealogistas, mediadores políticos, comunicadores, cantadores e poetas populares. Os griots têm diversas formas de expressão, mas em comum são responsáveis pela biblioteca viva da tradição oral, são o sangue que circula as memórias e histórias, lutas e glórias daqueles povos. Há 7 anos, venho escrevendo a pedagogia griô e para fazer a transferência dos valores, adaptei a palavra griot do francês para Griô em português brasileiro, com uso tanto para o feminino quanto para o masculino. Mas é bom lembrar que os griôs têm nomes diversos em cada língua do norte e noroeste africano – na língua Bamanan, por exemplo, eles nomearam o personagem de Dieli.


B.D.C. – A tradição griô ainda tem força na África?

Márcio Caíres – Atualmente, em Bamako, capital do Mali, os griôs estão organizados em grandes associações de comunicadores sociais e, inclusive, realizam eventos e campanhas em torno de questões da mulher, drogas e DSTs, entre outras questões sociais. Existem famílias tradicionais, de onde vem a tradição griô no Mali, em que os griôs casam entre si até hoje. O Márcio esteve na casa de uma família no Mali que explica a origem da palavra griô a partir da história vivida por um de seus ancestrais que conheceu o rei Sumanguru Kante e o encantou com a magia de seu Balafon (instrumento produzido com cabaças).


B.D.C. – Como é a aceitação de uma palavra de origem francesa para designar uma tradição africana?

L.P. – Algumas pessoas questionam o fato de termos usado uma palavra francesa e não uma palavra de origem africana. Contudo, griot é um vocábulo conhecido internacionalmente que se refere a figuras da tradição oral do noroeste da África que têm posições sociais e nomes diversos, desde os mais sagrados aos mais brincalhões. Por isso é coerente para as expressões da tradição oral brasileiras.


B.D.C. – Como teve início o projeto Grãos de Luz e Griô?

M.C. – A oficina Grãos de Luz foi criada há mais de12 anos, pela iniciativa de mulheres de um bairro periférico de Lençóis. Elas se uniram para preparar sopa para as crianças da comunidade e descobriram que também poderiam realizar oficinas de arte e artesanato. Quando chegamos em 1997, fomos convidados a criar um sistema de avaliação, assumir o lugar de educadores, desenvolver projetos e articular parceiros, além de criar o projeto pedagógico das oficinas. É deste projeto pedagógico e de nossa angústia em aprender a aprender com a tradição oral de nossa comunidade para ensiná-las por meio da educação formal que criamos o Velho Griô. Trata-se de um caminhante alegre, afetivo e encantador que entrega a sua corporeidade vivida para ser o registro, a memória viva da rede de transmissão oral no Brasil. Nesta caminhada, criamos a pedagogia griô, sistematizando o projeto Griô de capacitação de educadores para integrar a tradição oral ao currículo de educação formal.


B.D.C. – Qual a metodologia utilizada pelo projeto?

L.P. – O processo de mobilização, articulação de rede, ensino e aprendizagem da Ação Griô Nacional é inspirado principalmente em práticas pedagógicas da tradição oral. A Ação Griô propõe a Pedagogia Griô para o fortalecimento da identidade dos estudantes brasileiros, facilitando o encanto, o sentimento de pertencimento, a ressignificação da história e do sentido da vida por meio da prática de caminhadas, cortejos, vivências, espaços de criação coletiva, ofícios artesanais, aulas-espetáculos, círculos de cultura, encontros temáticos, rodas das idades, rodas de prosa, danças do trabalho, danças de celebração, bênçãos e contação de histórias de vida, mitos e causos.


B.D.C. – E quais são as referências teóricas e metodológicas dessa pedagogia?

L.P. – A Pedagogia Griô usa como instrumental a educação biocêntrica de Ruth Cavalcante e Rolando Toro; a educação dialógica de Paulo Freire; a educação para as relações étnico-raciais positivas de Vanda Machado; e a arte-educação comunitária de Carlos Petrovich. Hoje, também incorporamos a metodologia relacionada ao corpo de Fátima Freire; e a pedagogia do teatro de rua do Instituto Tá na Rua e de seu Mestre Amir Haddar. A Pedagogia Griô integra a escola com a comunidade; educadores das escolas e universidades com griôs e mestres dos Pontos de Cultura; saberes das ciências e currículos formais do País com as histórias de vida, mitos e saberes da tradição oral de suas comunidades.


B.D.C – Quais os diferenciais do projeto?

M.C. – Os participantes do projeto têm sua identidade fortalecida e ressignificam o sentido de sua vida a partir de sua própria ancestralidade. O reconhecimento do lugar social político e econômico dos griôs e mestres de tradição oral é um tema que o projeto teve grande autoria para mobilização da sociedade brasileira. Outro diferencial é que o projeto tem uma equipe de gestão, educação e parceria formada por pessoas que convivem e celebram a vida numa rede de vínculos afetivos e políticos, identificando na missão do projeto a missão de suas vidas.


B.D.C. – O que é o Ação Griô? Quais são os seus princípios?

M.C. – A Ação Griô Nacional é uma ação integrada aos Pontos de Cultura e às ações Escola Viva e Agente Jovem do Programa Cultura Viva da Secretaria de Programas e Projetos Culturais (SPPC) do Ministério da Cultura. A Ação foi inspirada e concebida pela criatividade e inovação metodológica do Ponto de Cultura Grãos de Luz e Griô de Lençóis, que conquistou o primeiro lugar do Prêmio Itaú Unicef 2003, entre 1834 projetos, no tema Educação e Participação – Muitos Lugares para Aprender. A missão da Ação Griô é criar e instituir uma política nacional de educação, cultura oral e economia comunitária para o fortalecimento da identidade e ancestralidade de estudantes brasileiros, bem como a revisão dos currículos de suas escolas e universidades por meio do reconhecimento do lugar social, político e econômico de griôs e mestres de tradição oral do Brasil.


B.D.C – Como você avalia o currículo escolar em relação à história e cultura africanas?

L.P. – A cultura afrodescendente e a cultura oral em geral foram folclorizadas e espetacularizadas na educação formal. As pessoas que são a expressão viva dos saberes ancestrais desta cultura são consideradas analfabetas em sua maioria, ou vivem o preconceito racial em relação às suas crenças, cor e cultura. Os livros didáticos contam uma história, expressam uma estética e inspiram valores que colocam a cultura negra como a cultura de um povo “escravodescendente”. A cultura e o povo negro brasileiro é afrodescendente, não escravodescendente. Porque Milton Santos não está na escola, ou Cartola, ou Dolores Duran como afrodescendentes em vez de tantas imagens de negros no tronco? Por que os conhecimentos produzidos nas universidades africanas e na civilização egípcia não estão contados como cultura negra? Por que honramos datas com Coelhinhos da Páscoa e Papai Noel e não podemos entender a história de Xangô e do reino de Oyó (Nigéria, África) do povo nagô? Ou dos griôs do Mali?


B.D.C – É possível construir uma pedagogia e um currículo integrados ao conceito griô?

L.P. – É possível sim e 53 grupos e pontos de cultura do Brasil estão fazendo isso na Ação Griô Nacional, no dia-a-dia da escola. Não estamos escrevendo um currículo que será implantado e, sim, vivendo a criação dele no nosso cotidiano; invadindo, ocupando e surpreendendo as escolas com o encantamento, a beleza, os saberes, o movimento da vida das comunidades de tradição oral. Transformamos resistências em re-existências e vice-versa.



Por Priscila Fernandes/Boletim da Democratização Cultural
Fonte: http://www.blogacesso.com.br/?p=108

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